domingo, 9 de agosto de 2009

O ESPÍRITO DE LAMPIÃO VIVE

MARCOS BAS


Introdução

Problemas sociais e fundiários no nordeste brasileiro deram origem a uma prática violenta naquela região, de meados do século XIX até quase a metade do século passado: O CANGAÇO.

Os cangaceiros agiam em bandos ou individualmente, atemorizando e aterrorizando populações inteiras de vilas e pequenas cidades do sertão nordestino. Saqueavam, matavam, roubavam, aplicavam a lei do “mais forte”, atemorizavam até os coronéis do interior. Viviam escondidos na caatinga e eram perseguidos pela polícia, que desde aqueles tempos já tinham dificuldade em localizar bandidos. O mais famoso cangaceiro nordestino foi Virgulino Ferreira da Silva, o LAMPIÃO, que liderava um bando violento e cuja mulher, Maria Bonita, assim chamada por ser considerada muito bonita, agia como descrito no trecho dessa antiga música, “Paraíba masculina, mulher macho sim senhor...”. Ou seja, pegava nas armas, matava se preciso fosse e agia tal qual o bando a que pertencia. Lampião atemorizou durante as décadas de 20 e 30 do século passado. Em 28 de julho de 1938 ele foi pego numa emboscada e morto com sua mulher e mais nove cangaceiros, no interior de Sergipe, conforme conta a História, que diz também que, a partir do Governo Getúlio Vargas e por decisão deste presidente, o cangaço começou a ter fim.

A História conta também que, para as autoridades, o cangaço simbolizava o mal, a brutalidade que precisava ser extinta. Todavia, conta-se também que, por uma parte da população do sertão, o cangaço e o próprio Lampião encarnou “valores” como a bravura, o heroísmo e o “senso de honra”. Os cangaceiros geralmente tinham apelidos. Entre outros, fizeram essa história violenta com controvérsias de “honra” e “heroísmo”, os cangaceiros Jesuíno Brilhante, que já agia por volta de 1870, Colchete, Jararaca e o também famoso Corisco, este último oficialmente morto em 1940.

Os dias de hoje
Mas, o que mudou de lá para cá, até os nossos dias no Brasil? Claro, muita coisa mudou. É óbvio. Porém, as cenas de violência a que assistimos atualmente, tanto nas ruas de nossas cidades, como também até no interior de espaços públicos onde deveriam proliferar grandes decisões para o País, não nos deixam alternativas para uma reflexão. E nem precisamos ter doutorados, mestrados, ou títulos de PhD, para concluirmos que, embora o Brasil tenha se desenvolvido, nem que tenha sido por osmose em relação ao mundo, a mentalidade pouco evoluiu. Resumindo, a cultura assimilada ao longo de tantos anos ainda resulta na Lei do Mais Forte, do Poder a qualquer custo, do insistir em copiar o que dizia uma velha marchinha de Carnaval: “daqui não saio, daqui ninguém me tira”... – isto especialmente quando se trata da detenção do poder.

A cultura assimilada e resultante também dá mostras de que “o manda quem pode, prevalece” e que, aquilo que incomoda ao poder, não custa muito em ser eliminado, nem que seja no mínimo por uma troca de acusações.

Assim, perdemos nosso tempo em ficar espantados, horrorizados e talvez mesmo envergonhados, quando assistimos, por exemplo, um Senador da República, de dedo em riste, em plena sessão plenária, acusar outro ou ser repelido por este a baixar o “dedo sujo”. Nosso horror ou vergonha de nada vai adiantar. A guerra do poder, as denúncias, trocas de acusações, ainda durarão muitos anos, enquanto o cancro cultural não for de fato cortado pela raiz.

Não resolverá em nada também, alegarmos que nossa colonização portuguesa é uma das causas disto tudo. Que assim tivemos uma péssima herança cultural, porque se assim aconteceu, não fizemos o suficiente para melhorar e aprimorar o quadro cultural nacional. Ao contrário, antes da proclamação da nossa República já surgiram os cangaceiros e agora, mesmo com o pressuposto fim deles, chegamos aos dias atuais com comportamento semelhante, que sempre acaba em enganos, roubos, força violenta, saques até aos cofres públicos e migalhas distribuídas aos menos favorecidos.

Ora, cangaceiros espalharam um método inusitado de obter bens e simpatizantes a eles também assimilaram tal método. Viveram aquela época, tiveram filhos, netos, bisnetos. Ao mesmo tempo, os meios de comunicação e transporte no Brasil também se desenvolveram, certamente não tanto quanto deviam, no entanto, o suficiente para aquele método se espalhar pelo Brasil.

Isto pode ser uma teoria. Uma teoria não muito difícil de ter sido praticada sutil e veladamente ao longo de tantos anos, na medida em que o Brasil misturou suas culturas regionais. E a forte e espantosa cultura do Cangaço certamente não ficou fora disso.

Hoje, o Poder age em grupos ou mesmo individualmente. Para quem estuda, pesquisa e acompanha a História do Brasil, talvez seja mais fácil visualizar resquícios do Cangaço em nossos dias. Se isto é idéia de maluco, de um ser mortal comum, ou de um brasileiro idiota qualquer que mal sabe eleger seus governantes, o que tem acontecido no interior do Congresso Nacional do Brasil nos últimos anos e agora mais precisamente no Senado Federal, faz parecer que a teoria do Cangaço faz sentido.

Os rabos parecem estar mais do que presos entre nossos representantes, ou melhor, colados com super bonder; as denúncias de coisas mal feitas nos deixam boquiabertos, o chamado decoro parlamentar que há muito foi para o espaço, mais parece um coro de palavrórios e até palavrões, os discursos em defesa da honra e da dignidade proliferam nas tribunas, fazendo cair por terra incríveis fatos e denúncias. A cultura da cara de pau prosperou. Certamente, os que assim procedem, devem julgar o povo como um bando de idiotas, sem raciocínio, embora na cultura do faz de conta que tudo está bem, isto não seja dito com palavras. Como se costuma imbecilmente dizer, “não é politicamente correto”.

Assim, nossa viagem pelo tempo de nossa história vai prosseguir. Pizzas? Ninguém nem fale em pizzas! Pizza é uma coisa muito boa para a gente comer com a mussarela bem derretida, com salpicos de manjericão. E ainda bem, pois não deixa de ser um bom atenuante em meio a tantos saques, pilhagens e violências contra o povo, este sim porque não se dizer sacaneado disfarçadamente ao longo de tantos anos. Enquanto isso, muito ódio espumado, adicionado de palavras fortes e agressivas, precedidas sempre de Vossa Excelência, ainda serão oferecidos a milhões de pobres incautos. Olhos de cachorro doido ainda fuzilarão muitos pares em nossas sessões plenárias. O espetáculo ainda continuará horripilante, até que o povo entenda de verdade o que deve fazer nos anos eleitorais. Até que muita gente desse mesmo povo não se deixe enganar por um brinde, por uma camiseta, um par de botas ou coisa parecida.

Seja lá o que for preciso para que a mentalidade brasileira cresça de verdade, tudo nos leva a crer que o Espírito do Cangaceiro Lampião ainda continua vivinho entre nós.

MARCOS BAS
Brasília, Distrito Federal, Brazil
brasileiro, jornalista, ex-repórter da Folha de São Paulo, Jornal de Brasília e de assessorias de imprensa de órgãos do governo federal.


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